14 de outubro de 2013

Gaiola

Quatro cantos do mundo em quatro cantos não muito distantes. Ele, determinado (sempre), alerta e consciente do que queria. Barras de metal entrelaçadas, jazendo invisíveis - e isto dado pelo tempo de sua existência - não o perturbavam. Já o interior de seu mundo era seu cubo mágico. Um ábaco onde calculava a probabilidade de suas felicidades. Companheiros vinham e iam, passando por seu olhar calculista. Julgava estar, no entanto, em melhor situação que aqueles. Não por ser arrogante, não o era, mesmo que assim transparecesse, mas apenas tinha confiança em suas constatações e ideias.

Acreditava estar por cima da carne seca. Dizia àqueles que dividiam seu mundo: "Tem que sofrer, tem que saborear o mosto para beber o sumo!". Recebia sua ração de vida diária, sabendo que era o fado à que deveria estar rendido... não era livre, afinal. Mas, sabiamente (presumia), guardava sempre uma parcela significativa de seus ganhos. De tempos em tempos, quando suas economias o possibilitavam, presenteava-se, reconhecendo aquela bonificação como premiação natural e justificada de sua resiliência, de sua persistência em acreditar que aquele era o modo lógico de ser feliz, não obstante as dificuldades de sua rotina.

Conhecia a dinâmica da coexistência. Ali, dentro da gaiola, sabia quem era pato, quem era rato, quem mandava e desmandava. Julgava a maioria como cega. Neste sentido, novamente, não era arrogante, pois sabia ser, ele mesmo, também um cego... No entanto, se considerava esperto, pois acreditava que, logo, tendo de esperar apenas alguns anos de arrecadação de esforços, poderia barganhar e adquirir seu primeiro par de olhos... ou um olho apenas, para começar, nem que fosse. Talvez, mais adiante, poderia até investir em uma boca, quem sabe. Seus planos já estavam encaminhados.

Certo dia, para a surpresa dos então habitantes da gaiola, um certo outro espécime bradou, de maneira enfática: "A porta está aberta, está aberta!", E lançou-se gaiola afora. Não foi seguido por mais ninguém, embora curiosos tenham aproximado-se para averiguar a pertinência da informação lançada e o que julgavam inconsequência daquele indivíduo emotivo. Ele, nosso sobrevivente da gaiola, riu-se. Inteligente, como era (ou achava), já sabia que a porta da gaiola estava aberta havia tempos. A porta sempre ficava aberta. Mas, pro lado de lá, mesmo sabendo que haviam muitas outras gaiolas e, até, espaços abertos, reconhecia apenas a invalidez da existência. Ali, preso com os demais, envolto em benefícios que adquiria, advindos de sua insistente entrega de poder vital, poderia ser algo grande, sabia.

Solto, mesmo ciente das inúmeras possibilidades, apenas poderia ser nada. Ali, na gaiola, tinha título, posse, bem e bônus. Certamente, não aventuraria-se no inseguro... afinal, a vida era curta e apenas uma. Só há lugares para vencedores... E ele, maquinava, com certeza seria um.

Ironicamente, naquele mesmo momento, uma de suas músicas favoritas, reverberando nas paredes que o cercavam, advinda de uma pequena caixinha (mais um de seus "benefícios"), dizia:

"... Did you exchange your walk on part in the war...
                                                                    ... For a lead role in a cage... (?)"




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