14 de junho de 2013

O Fetiche do Revolucionário

Em meio a estas manifestações e acontecimentos políticos, são muitas as opiniões e posicionamentos. Eventos desse porte são sempre grandes demais para que a discussão não seja também muito abrangente, por isso é preciso foco, fixar parâmetros e destacar o que é principal.

Nesta quinta estava no Mackenzie em meio aquele que foi um dos maiores e mais confusos protestos jamais vistos em São Paulo e algo me chamou a atenção, além claro das explosões e fumaça - os posicionamentos.

''O Estado soberano moderno se define pelo monopólio do uso da força legítima" (?)
Quando coisas assim acontecem observar seus efeitos é surreal - discussões ideológicas por toda universidade, pessoas empolgadas com uma paixão no olhar, gente que se afasta e compra opiniões de todo tipo, mas ninguém imune. E é nessa babel de posições que surge um ímpeto do qual nenhum jovem escapa: o Fetiche do Revolucionário. Objetivos complexos muitas vezes são atingidos com motivações a priori pequenas, modestas, de caráter às vezes não tão nobre e bem simplista. O que não descaracteriza a qualidade dessas realizações. E na análise dessa cadeia de eventos e motivações há de se observar o que a impulsiona e onde ela pode chegar. Existe no jovem uma espécie de caderneta psicológica. Atribui-se a cada fase da vida um conjunto de coisas a se fazer, como numa lista, e as pessoas buscam validar sua idade cumprindo uma série de tarefas inerentes a tal fase. Na infância brincar, na velhice viajar, ir pro interior, etc. Mas de todas essas, a mais complexa e cheia de força é de longe a juventude, tempo esse no qual as pessoas querem se afirmar a todo custo, sentir-se parte é essencial, homologar a vida, a fazer valer a pena, realizar tudo o que se atribui a ela. Tomar um lsd na praia, dar umazinha no banheiro daquele bar - na juventude a lista é mais que satisfação, é maneira de se sentir vivo, novo, 'vivo porque realizo' nunca pareceu ser tão urgente para nós.
Dentre essas realizações - não sabendo este pobre autor os motivos claros disso, apenas desconfiando que uma poetização da revolução ocorrida no século XX, vendo nas artes meios de criar no subconsciente das pessoas aquela empolgação pela luta - a política se destaca. Ouvi meu amigo dizer ao meu lado: ''Vamos lá? Sempre quis estar em meio a uma coisa assim, quando novo, a gente tem que viver isso um dia." A paixão que essa luta 'bem e mal' travada em meio as ruas gera, é impressionante, pessoas que antes ignoravam qualquer ciência política e estudo da máquina estatal agora declamam, trovadores quase, ódio à repressão e questionam o uso legítimo da força por parte do Estado, sem sonhar que Weber falara disso - E isso é ótimo.
A batalha travada entre o forte e o fraco, as fileiras dos exércitos de manifestantes declamando palavras de ordem, aquela aglomeração pela mudança, gera quase um arrepio e emoção que se sente ao ver uma batalha do Senhor dos Anéis, é cinematográfico e empolgante. Mesmo que muitos ali não saibam o funcionamento sistemático, sem que mais objetivos sejam traçados ou exista alguma organização.
Há de se questionar sim a irracionalidade de uma minoria, depredação do patrimônio de forma gratuita não é de fato eficiente, nem do particular, mas o confronto com a polícia, esse sim não é só inevitável como as vezes necessário.
O policial é mal preparado e não separa o joio do trigo, a todos condena e usa de violência exacerbada para lidar com pessoas inocentes, são ferramentas de um Estado corrupto, pais de família que com a capa da farda perdem sua identidade e ganham a do Estado, que a eles também oprime. Quebrar um ônibus que poderia estar em uso no outro dia é irracional pros objetivos traçados, agora enfrentar a força policial repressora não se submetendo as suas regras no exercício de sua vida política como cidadão, é essencial.
O capital a todos prejudica, e do povo aufere lucros, cabe ao povo então dar ao capital prejuízos e parar a máquina para ser escutado.
Jovens por empolgação e um amor momentâneo gritam por ai com peitos cheios e energia ímpar. Nunca antes tinham lido Marx, ou sentido um frio na espinha vendo um acumulo de 'revoltados', talvez muitos de casa já tenham condenado anteriormente ações do tipo. Mas aí que entra aquilo que mudou opiniões durante toda a história, os exemplos.
Pela primeira vez algo assim foi visto por muitos, exemplos de luta. Não se sentir só no ímpeto dá a vontade de reforçar o canto. O jovem de todas as classes, mas principalmente das médias, não têm creio eu, nenhuma motivação política e intelectual mais forte, nenhum sentido de dever anterior e essencial (raras excessões), mas o que aconteceu de surpreendente é que essa paixão por fazer na juventude, coisas da juventude - algo a priori condenado pelos mais hipsters- pode ser o fundamento de toda uma mudança e movimentação há um bom tempo não vista.
É aqui que a concatenação dos fatos se mostra clara, impulsos simplistas viram acontecimentos grandiosos e pessoas se transformam no processo. A vida é um intercâmbio, é uma mutação. Você age de tal maneira, coisas acontecem, você muda sem perceber. O Fetiche do Revolucionário é vazio para muitos, mas para mim uma discussão desse porte em pauta pode mudar algo, uma empolgação juvenil quase que emocional pode virar uma consciência clara de que as coisas não estão bem.
Pessoas que atribuem a sua tristeza e frustração à uma condição da existência, uma característica intrínseca a vida, podem perceber que a lógica de um sistema em muito contribui pra isso. Viver em São Paulo está insuportável. Problemas estruturais, distribuição burra, lógica do capital avassaladora. Uma classe média alienada e frustrada, curando tristezas com consumo vazio (dizia Marx: ''Quanto menos comes, bebes, compras livros e vais ao teatro, pensas, amas, teorizas, cantas, sofres, praticas esporte, etc., mais economizas e mais cresce o teu capital. És menos, mas tens mais. Assim todas as paixões e actividades são tragadas pela cobiça.''). Uma classe pobre cada vez mais excluída e invisível, sofrendo.
Disse ontem o pobre Jabor que é tudo um ódio gratuito, uma motivação por míseros 0,20 centavos, que os pobres que de fato são lesados ali não estavam, apenas filhos da classe média. O ódio não é infundado, é bem palpável, aliás.
Viver aqui é cada vez pior e tantas sanções e dificuldades despertam muita revolta. Não se trata apenas de 0,20 centavos, é mais uma afronta. Não se pode reduzir tanto o racíocinio de maneira a ser burro, existe muito mais por trás disso. O brasileiro nunca teve em sua história uma conquista social popular. A ditadura não foi posta abaixo, se aposentou por fatores econômicos, deixou a bomba explodir na mão de outrem e saiu do palco quando bem quis, não havendo mais o que fazer largou o país na mão de uma democracia burra, com uma máquina estatal falha e corrupta, ineficiente e cara. Os últimos e recentes beneficios sociais fazem parte de um populismo barato de cunho quase que puramente eleitoral, tem sim efeitos positivos, toda politica social tem - e alguma é melhor que nenhuma - mas problemas estruturais ainda são latentes e a deficiência do Estado é abismante. "Pagam-se impostos Alemães, vive-se na Nigéria", como li em uma das diversas manifestações em redes sociais.
O sindicalismo soa como piada, esse 'Lulismo' no qual greves e acordos estavam agendados e congruentes com toda uma lógica de poder e manipulação não nos soa suficiente, nunca foi.
Uma diminuição na tarifa seria mais que uma economia, seria uma conquista do povo, e aí novamente pequenos impulsos ganhariam enormes sentidos.
A classe média informada e mais próxima têm meios de contestar, de tomar a frente disso que pode ser uma grande motivação a todos - ora se os pobres não estavam lá como disse o Jabor, estavam ao menos representados, já que são os mais atingidos.
A cadeia de exemplos e de paixões que isso pode despertar é de fato muito curiosa, o Fetiche do Revolucionário do jovem aparentemente entediado pode virar uma consciencia do que te cerca e os 0,20 centavos podem virar uma conquista sem precendentes nos anos recentes. A democracia sempre foi negligênciada por aqui e o Estado venceu pela insistência. Mas o Estado é arcaico, não está a saber como lidar, e a juventude paulista que há tanto tempo dormiu, talvez esteja a acordar - mais pessoas veem e mais exemplos são dados. Eu, se um governador tucano, temeria uma juventude latina com o sangue fervendo como o diabo teme a cruz. Futuros engenheiros, advogados, jornalistas, economistas. Gente preparada se mistura ao eco da revolta, são muito mais cultos que seus opositores e muito mais novos.
Há de ser uma mudança prática na lógica que tanto nos fere? Não arriscaria dizer, o Estado é forte e vive pra se manter, apenas, é parasitário e bem preparado, sabe se adaptar - já o povo infelizmente tem outras demandas.
Mas ver a discussão nessas proporções, ver a emoção despertar como algo primeiramente fútil, podendo assim se tornar no futuro algo bem útil, é empolgante de qualquer maneira.

Que se façam as insurreições paulistas e brasileiras.

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