Como um cão
negro que invadiu uma casa qualquer
De um homem
solitário e cansado
Que
considerava sua companhia melhor do que não sentir nada
Mas ele não
era o seu dono
O focinho
empurrou uma porta que estava entreaberta
Na esperança
do homem de que algo entrasse e a indiferença da vida cessasse
Diariamente o
animal se alimentou do conhecimento daquele solitário
Ficou maior,
um fardo pesado, enquanto o homem diminuía, até quase desaparecer
Menor, menor e
menor, parelho com suas esperanças
Essa troca de
perspectivas mudou o ambiente daquele indivíduo
A sua casa se
tornou o próprio cachorro e nele viajou enquanto continuava diminuindo
As florestas
eram negras, extensas e densas
Era tudo o que
existia, era um universo para homens em miniatura
Por noites ele
vagou, sem sono ou fome
O homem
desbravou e percorreu longas distâncias com o pouco da força que restava
Lá ele
descobriu tribos de outros seres que antes foram visitados pelo mesmo cão negro
Eram como ele,
mas menores e menos lúcidos
Apáticos, não
faziam guerra ou política
Apenas
monólogos mentais que se perdiam neles mesmos
O homem
continuou andando, pensando que iria desfazer-se no caminho ao nada
Certa vez,
caído entre arbustos negros, percebeu que o solo pulsava
Em um ritmo
semelhante ao do surgimento de suas dúvidas
Antes do fim
de suas forças, cavou com os dentes um buraco raso no solo da floresta negra
O sangue
jorrou
E ele se
alimentou
Voltou a
crescer, enquanto bebia ininterruptamente
Os preciosos
fluidos corporais
O cão estático
se moveu pela primeira vez
E com sua pata
traseira direita
Atacou o ponto
exato que o trazia agonia
Enquanto
bebia, o homem observou garras gigantescas invadindo o céu sobre a mata negra
Por dez ou
doze vezes elas obliteraram todo aquele ambiente de escuridão
Patadas caóticas
de um cão incomodado
Em um desses
ataques o homem foi lançado por milhares de metros
Rompeu os
vidros da janela de sua antiga casa
Teve sorte
Outros que
fizeram o mesmo acabaram finalizados pelos dentes do cão
Provavelmente
por estarem longe de sua cabeça e ao alcance de seu focinho
Aquele homem
foi atirado de encontro ao estado original
E estava maior
do que era antes do cachorro chegar
Levantou sobre
os cacos de vidro na calçada e entrou na casa
Colocou um traje,
pegou a coleira e levou o cão negro para um passeio
Era um animal
estranho
Quanto mais
conhecia o mundo, menor ficava
Certa vez,
durante uma noite
O cão, já
diminuto, entrou pelo ouvido do homem
E se alojou
nos confins de sua mente
E a historia
findou, antes da manhã seguinte, para que em algum outro dia se repetisse