2 de outubro de 2014

Free Blues I


...

Cicios e susurros sobre devaneios românticos e sensações lânguidas. Poderia-se mesmo dizer que não existia mais romantismo, afinal, não era ela à cantá-los. E ainda, enquanto a voz suave incitava os cativos, tentei distinguir alguma fala, mas de seus lábios somente aquele magnético sorriso, convidativo como uma risada, falando em suas palavras não ditas. E mesmo que sujeita a si própria, sua presença, logo um não diria tratar-se de não sê-la, ela, senão a própria personificação da melodia que reverberava nas paredes do salão.

Passos deslizantes, por entre olhares violadores que pouco podiam fazer para chamar-lhe atenção. E quanto mais a chama de sua paixão queimava, mais pareciam ansiar seu calor. Vieram-me à mente e à língua aquelas e outras mais, ainda, palavras que de nada valeriam ao momento. No entanto, a sonsice das suaves insanidades sissibilantes em minha mente fôra rapidamente varrida de mim. Aquele momento não era meu, era dela. Valia mais à meus olhos juntarem-se à turba de olhares do que distraírem-se em tropeços que meus lábios pretendiam cometer.


Não que outros e outras não tivessem estes impulsos. Os tinham e os exerciam. Mas era uma atitude insensata... os ouvidos, naquele momento, não eram para ouvir quaisquer palavras de cunho pessoal. Ela sentou-se à meu lado.


Olhou ao redor, sem ver, e pediu algo, perceptível somente aos ouvidos sensíveis da jovem que movia copos e bebidas como panos e pincéis. Voltou o olhar para o salão, enquanto suas mãos deslizavam pelo balcão. Estava eu a observá-las ainda, de maneira pouco discreta, quando a música e o tom do ambiente mudaram abruptamente.

O suave movimento do momento, sedutor e envolvente como a fumaça, tornou-se mais vívido e aquecido. As vozes sem sons agora cantavam, ainda silenciosas, tentando chamar qualquer atenção, enquanto seus olhares se tornavam mais e mais vorazes. Eu observava-os com surpresa e espanto, até que meus pensamentos mais gentis ao ego e minhas vontades românticas me atiraram de volta àquela que mobilizava tão grande multidão. Me senti inesperadamente aliviado ao perceber que o gelo em seu copo era muito mais do que o calor estabanado dos desejos insaciados dos que não lhe interessavam poderia derreter.


Me senti mais confortável comigo assim, esperando o máximo de nada que aquelas tantas pessoas pareciam poder exercer. Deveria ser especial, ela, quem sabe? Apenas parecia não se importar com todas as vontades ardentes que à cercavam. E, tão convicto das radicais considerações sobre como ser ameno e não cometer os erros daqueles tantos, desisti de minhas vontades mais elaboradas, mantendo na mente somente a sugestiva estética que suas ações irradiavam.

E fui tão preciso e decidido em minhas ações, sob a música envolvente, que quase não a ouvi dizer "Olá", enquanto me olhava com olhos de cores familiarmente originais.


E de onde antes era só o silencio abismal agora ecoava aquele som...


L'aventure commence... 




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