Personas são personalidades que você e eu assumimos nos diferentes ambientes com diferentes pessoas. Nada de errado até aí – nenhum ser é unilateral e exigir um padrão fixo de comportamento é pedir de certa forma alienação: o ser tende ao que é variado. Precisamos nos adaptar a todo momento aos ambientes com distintos grupos sociais e, apesar de haver certa coerência de personalidade, tal adaptação sempre irá ocorrer e em nome da boa convivência exige criar personagens de si mesmo.
Você é formado por
muitos ‘’ eu’s ’’ e a maioria das pessoas, num exercício de auto-análise, mal
poderiam responder com certeza a famosa questão do ‘quem sou’.
Problemas nascem quando
o ser multilateral se questiona. Bergman retrata com perfeição tal dilema em
seu filme sugestivamente intitulado também de “Persona” e nos pergunta: poderia o ser conviver com a incerteza sobre si? Vale a pena se negar em busca do
sucesso ou convivência?
Em nome do convívio a
sociedade se baseou em mentiras e também é em nome dele que o ser nega-se criando
facetas influenciadas antes pela adaptação do que surgidas por decisão.
É nessa crise contra
a artificialidade que entra o “eu sou” e mais uma questão moral se mostra
claramente. O que é natural e necessário é em principio e por definição algo
que nega o ser social, como tudo mais que as relações exigem.
Ora, as relações humanas se dão por intermédio de personas
desde que foi preciso uma convivência social de uma mesma pessoa com distintos
grupos e a tecnologia, essa benção com que nos amaldiçoaram, trouxe mais que
conforto – seus aprimoramentos técnicos possibilitaram uma expansão
comunicativa jamais vista. A humanidade passou sua história com uma comunicação
limitadíssima e em poucos e recentes anos um crescimento exponencial mudou-a
mais intensamente que milhares de anos de titubeante crescimento. Isso é
coisa conhecida por todos e cansativamente revisitada: a internet conectou o
mundo e iniciou uma era de aproximação inigualável e, na própria internet,
grandes marcos inventivos tornaram-na mais eficiente (Google, youporn, MSN,
etc).
Dentro desse mundo recém inaugurado surge uma ferramenta
sem precedentes no que tange a sua força e aceitação e que não só altera a
maneira das pessoas se comunicarem, mas também evidencia traços da natureza
humana e de como ela se relaciona com seus semelhantes, traços provavelmente milenares.
Onde termina o que é
relativo a natureza geral humana durante a história das sociedades e o que essa
ferramenta de fato altera e cria? Bem, dessa matéria que trata o texto e é o
que dissecarei nas linhas subseqüentes conforme o limite do meu intelecto e o
formato ‘blogueiro’ permitirem.
O Facebook
Eis a ferramenta em questão. Certo é que muitas outras redes
sociais relevantes surgiram antes deste e o influenciaram, mas é nele que o
mais alto nível de interatividade humana até aqui foi atingido.
Demonstrar sempre foi
atitude repetida por nós humanos durante toda nossa existência. Estar sem
demonstrar soa sem sentido. Estar feliz, triste ou bolado acarreta em
demonstrar felicidade, tristeza ou bolação. Com o Facebook a demonstração é
mais que pura informação e vira um hábito interessante. As pessoas escancaram
sua rotinas buscando demonstrar desesperadamente, mas por quê? Observa-se que no Facebook nasce um caminho inverso. Estar deixa de ser o primeiro passo
para demonstrar, assim a demonstração ganha vida própria e realiza o ser por
si só. Mostrar basta: tal ferramenta dá o poder do homem divulgar a imagem que
quer de si, disseminar como quer ser visto. Criar uma imagem pública é prática
antiga, mas o poder de qualquer cidadão comum fazê-lo é o que essa ferramenta
mais trás de novo.
Se ganha vantagens
óbvias com uma melhor comunicação, mas perde-se a proteção que havia com a
incomunicabilidade e torna-se vulnerável a esse mar de demonstrações duvidosas
de pessoas querendo se afirmar para outrem como meio de contentar a si. É aí
que nasce um dos males da convivência social: A comparação.
Comparação
O ser humano a todo
instante se compara. Isso é meio de se alegrar e mais ainda de se entristecer.
Quando você está fudido na vida e surge alguém dizendo: Ao menos você tem
saúde, tem gente que nem perna tem!!!
Existir alguém em
pior situação não faz da sua boa. Comparar ruim com péssimo não elimina a
dificuldade das duas situações. Fica claro que ver alguém pior é coisa
suficiente para o homem sentir certo conforto, e tal sadismo que diz muito
sobre a índole geral. A comparação com indivíduos em pior estado é uma maneira
de justificar sua própria mediocridade, atitude comum das classes médias que
dessa maneira homologam seu modo de vida.
O contrário também é comum – o ser se compara com quem
considera superior e aí é que nasce parte de sua tristeza: ver o sucesso de
quem o cerca ou está acima o deprime, não necessariamente por inveja gratuita,
não estamos tratando aqui de simples pecados, mas de aspirações humanas.
Sentir-se de alguma maneira para trás, ver realizações alheias e compará-las a
sua estagnação. A felicidade é vista como medida e se vale da comparação para impor um padrão.
Voltamos agora
completos em conceitos para tratar do Facebook mais uma vez. Comparações,
personas e demonstrações – ele as potencializa e altera. As pessoas explicitam
situações divergentes, que não correspondem a sua realidade ou estado de
espírito e o fazem constantemente. A rotina de demonstrações é o desabafo do
ser, formar idéias nas pessoas sobre si, repito, é tentador: ao maximizar o
poder de construção de imagem é que nasce o prazer, combustível do vicio.
Já “Stalkear” (tornar-se
obcecado pela vida alheia e vigia-la, persegui-la) é o hábito que deprime, ver
a demonstração que gera a comparação. Frisava Adam Smith o constante exercício humano
de se colocar no lugar de outrem, exercício esse onde nasce diversos
sentimentos, tais como a compaixão ou altruísmo. Nele nasce também a depressão
social e a falta /necessidade/desejo do que não se tem.
A Crise da Opinião
Existe a ideia de que ter opinião é algo positivo. “Tenha
opinião própria” dizem por aí. Mas e se a opinião é imbecil ainda sim é
relevante? Do que vale ter opiniões de assuntos que você não domina? É defender
burrices e confirmar sua ignorância. Ter uma opinião pura e simplesmente pra ostenta-la é extremamente
pouco e nada há de se gabar nisso se a opinião em nada tiver de qualidade.
Viver em sociedade é em muito se negar e a qualidade da
vida social exige muito da capacidade de se contradizer. Resta saber se o homem
poderá mudar ou se deixar de pensar e se incomodar é o melhor remédio dessa
vida social nociva ao individuo.