Guerras e Amarelinhas
Amarelinhas desenhadas com giz na calçada da praça, as
arvores floridas com a chegada da primavera, o carrinho de sorvete passando de
o lado para o outro, sempre sendo perseguido por crianças acompanhadas de seus
cachorros cor de marrom, os pais riam ao ver o filho desajeitado contando
corretamente o troco. O balanço do parque nunca estava vazio, o escorregador já
vinha um atrás do outro, e o céu era uma mistura de azul claro com risos. As armas
atiravam flores, na verdade, girassóis. Os soldados voltaram da guerra, e agora estavam estirados na grama verde, sentindo
o cheiro de terra molhada, sentindo o
calor do sol que iluminava aquele dia. O sino da Catedral, soou 12 vezes, e
ninguém se mexera. Tudo estava paralisado, imobilizado, feito fotografia, cuja
o fotógrafo ainda dizia “Olha o passarinho” e todo mundo respondia com um afinado
e sonoro “xis”.
Mas mais nada se movimentava. As amarelinhas foram paradas
pela metade, os gizes estavam esmigalhados no chão, as árvores continuavam com
flores, embora não nascesse mais nenhuma, o carrinho de sorvete ainda estava
cheio, tombado ao chão junto com os cachorros cor de marrom das crianças que já
não corriam mais daqui até ali. Os pais já não estavam rindo com o desalento do
tempo, alias... Ainda me pergunto se eles, ainda respiravam àquela altura do
campeonato. O Balanço balançava o vento, nenhum corpo quente e pulsante
abrigava o banquinho, e o escorregador
fazia o sangue descer mais rápido no amontoado de areia, feito
para amortecer a queda. Grande ironia! O
céu continuava azul, não acredito que o tempo, ou o clima fosse mudar por causa
das fatalidades da raça humana. No entanto, era apenas azul, nada de riso
misturado. As armas atiraram todos os girassóis, e logo depois saíram as balas,
os chumbos, as granadas e as dores. Os soldados ainda continuavam na grama junto
a uma lapide dizendo “fulano de tal, nasceu tal ano e faleceu neste mesmo.
Causa da morte heroísmo”. Heroísmo? Será
mesmo que os heróis foram feitos para morrerem?
As Histórias em que li, todos viviam e ficavam com a mocinha sonsa e sem
graça, só porque elas eram tão boazinhas quanto eles. O sino da Catedral soou
12 vezes, mais uma para prestigiar o luto. Quem, em sã consciência, comemora a
morte de uma pessoa, no caso um parque e amarelinhas inteiras? O louco fanático?
Ou... Um herói?
Era mesmo uma fotografia, saiu até nas primeiras páginas do
Jornal Internacional: “Uma comunidade inteira morta. Motivo? Esqueceram-se que
a guerra não havia acabado”. Mas calma, disse eu ao redator, a guerra havia
acabado há épocas. “Eles não lutavam essa guerra, e sim a guerra com eles
mesmos. E eles se esqueceram de que aquele que muito ostenta a felicidade falsa, morre de tristeza. Então, enlouqueceram”. Grande piada. Grande encenação. Palmas aos atores falecidos que
continuam entre nós, que são nós e que vivem dentro de nós.