31 de julho de 2012

Os Evangelhos Revisitados - O Livro Perdido e a Mentira Encontrada


Seguem abaixo 2 relatos. O primeiro e não tão importante do descobridor, o segundo e totalmente importante de um livro que fará de todos nós descobridores.



 Domingo, 30 de Julho de 1905. Eram 09:00 horas da manhã e o Sol já se fazia quente neste lugar esquecido por Deus e odiado pelos demônios. A escavação durava 3 vezes mais que o previsto e nada promissor ainda tinha sido encontrado, quanto mais algo de valor. Pensávamos em desistir e de fato desistiríamos. Perto do almoço muitos já se preparavam para partir e enquanto recolhíamos ferramentas e lamentávamos o fracasso, um maldito escavador me chama a atenção para um velho manuscrito encontrado dentro de uma pequena e pobre arca, aparentemente nada demais. Mas os clichês e os filmes nascem em algum lugar: o escrito, se não de valor, ao menos confuso era. Não sei e nem tentarei descobrir se o conteúdo era verídico. Após tradução do aramaico pude presenciar um dos textos mais chocantes e estranhamente escritos da história e reproduzi-lo pode soar polêmico ou me trazer problemas. Faço isso por descargo de consciência e pra não admitir ter sido em vão tal jornada. Deus tenha piedade de nossas Almas.

 ''Meu nome é Maria, sou de Nazaré e pode-se dizer que minha vida é inusual. Por ouvir Maria você não se surpreende em nada, mas quando digo que sou a Mãe de Deus, isso sim, gera desconforto e terror até nas mentes mais calmas. Coisas demais aconteceram durante minha passagem por esta terra, coisas confusas de que me arrependo e das quais preciso falar. É tarde demais para me redimir com os homens, então me expressarei na solidão e calma que só o papel e a pena oferecem. Entre tantos acontecimentos conturbados que sugerem um futuro insano para este mundo, deixarei um relato que é mais desabafo que informação, uma pista da verdade que mostra o que uma simples mentira se torna e o que a crença pode gerar.
 Morava em Nazaré e passava os meus dias como as pessoas que moram em Nazaré normalmente passam. Não era uma excessão em nada, nem poderia ser. Sonhava com o dia em que todos os romanos morressem e ia pra sinagoga matar o tédio, encontrando algumas amigas para falar sobre coisas de judias. Não gostava muito de música, ora se não eram as músicas todas sobre um passado vitorioso de um Deus cruel. Achava bonito o som da arpa, mas uma moça como eu não tinha acesso a muito mais que isso. Conhecia poucos homens e minha vida caminhava sem surpresas, pressionada por uma sociedade preconceituosa e pela dominação - o que não era pior que ser subestimada por tradições que não eram minhas. 
 Ai teve esse cara, José - frio e entediante - mas servia como companhia. Até o dia em que sua atitude respeitosa ultrapassou os limites sustentáveis. Uma mulher mesmo que não assuma por costume, não nega por instinto: tem suas necessidades. Um dia caminhando despretensiosamente tive a atenção chamada por este belo homem cujo nome não direi. Basta saber que era muito belo e que se juntando a mim sem acanhamento em meu passeio, começou gracejos jamais ouvidos dos quais eu nem sonhava que um homem soubesse ou ousasse fazer.
 Não arriscarei dizer que fui pioneira no sexo casual, já outras foram impulsivas e infiéis e o pionerismo desta história mora em outra parte. Deitei com o belo homem num celeiro qualquer, próximo a uma manjedoura e com diversos animais a assistir (que ironia!), já que a existência de lugares propriamente vazios para esta prática pecaminosa não soa como invenção sensata para homens e mulheres criados por Deus. O dito cujo literalmente me fez entrar em júbilo, creio ser essa a palavra. Espirrou júbilo pra todo lado.
 Tinha perdido a virgindade de maneira irresponsável, mas se José era meu futuro marido não havia nada a temer - a lentidão do bom homem lhe fazia acreditar no menos trabalhoso e admitir um par de chifres era trabalho demais pra um homem que conseguia desprezar a tradição pela preguiça.
 Só que o cajado cruel do Eu Sou atinge sem piedade o pecado e a consequência do prazer não poderia ser outra coisa que não a dor e a decepção nesse mundo criado pelo Bom Deus. Eu estava grávida e agora não era a José que precisava enganar, era uma sociedade repressora com costumes assassinos e irredutíveis. Pensava em simplesmente contar para este corno manso que sempre esteve ao meu lado, mas eis que surge uma ideia sem precedentes que mudou o rumo dos meus dias e dos que a minha volta estavam, ideia essa que era a solução completa dos problemas a curto prazo, mas pudera eu imaginar naquela época que seria a causa de tantos outros problemas num obscuro futuro?
 Quando finalmente tive certeza da gravidez não pude esperar muito para agir e disse a José: Um anjo me visitou e eis que estou grávida, não por obra da carne, mas sim por intervenção direta e imaculada do Espirito Santo de Deus - guardo no ventre o Messias Salvador do mundo. Sei que o homem não acreditou, mas cada caceta que sabe de sua brocha. Talvez pelo orgulho preferiu acreditar. Certo dia até veio a mim dizendo que o mesmo anjo em sonho lhe tinha falado e confirmado o milagre da grávida virgem!
 O choque das pessoas ao saber da minha grávidez foi grande. Acusada de fornicação, estava prostada diante a lei que me envergonhava perante os meus. Foi assim que pra me livrar de assumir uma safadeza, inventei o Novo Testamento. Espalhei a noticia como justificativa e logo era a sensação do deserto: cercada de controvérsias minha gravidez não poderia gerar outra coisa que não confusão e espanto.
 Outros já relataram, ou começaram a relatar, uma visão que provavelmente será a oficial e unilateral dos fatos que se sucederam por estas bandas durante esse tempo confuso. A dedicação que uma mentira pode ocasionar nas pessoas é ilimitada e o ato simples de acreditar é o passo fundamental, é o combustível da imaginação: essa entidade que muda a historia dos homens.
 Passei por maus bocados e não me importa narrar tais perrengues aqui: dizer que a vida é triste e dificil soa redundante pra uma pobre Nazarena. O que resta-me a dizer é que pari Jesus, a quem chamaram de Cristo e que de fato acreditou ser o Messias profetizado. Penso eu ter errado em mentir também para meu filho, mas a moral e a imagem são importantes até para uma mãe, que ao invés de assumir uma foda de celeiro manteve a história. O Cristo acreditou em si, o que foi importante para acreditarem nele.
 O que se sucede creio eu que ja é sabido e o propósito de desabafo está completo nessas poucas e verdadeiras linhas de reconciliação comigo mesma. Espero não gerar mais problemas além de uma crucificação e potencialização do imaginário popular.
 Resta dizer que presenciei a força de uma lenda e a capacidade de uma imagem se tornar o que as pessoas querem que ela se torne. Uma história de sacanagem virou terra fértil pra construção do mito tão esperado, e o salvador da humanidade veio de mim pra tirar toda culpa recente do povo, mas continuar a escravizar toda a longa vida sofrida do mundo.''
     

Aqui é findo o manuscrito e nada mais foi encontrado no baú.

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