28 de dezembro de 2014

Ciclos e metamorfose





Como um cão negro que invadiu uma casa qualquer
De um homem solitário e cansado
Que considerava sua companhia melhor do que não sentir nada
Mas ele não era o seu dono
O focinho empurrou uma porta que estava entreaberta
Na esperança do homem de que algo entrasse e a indiferença da vida cessasse
Deitou-se no tapete da sala principal, estático
Diariamente o animal se alimentou do conhecimento daquele solitário
Ficou maior, um fardo pesado, enquanto o homem diminuía, até quase desaparecer
Menor, menor e menor, parelho com suas esperanças
Essa troca de perspectivas mudou o ambiente daquele indivíduo
A sua casa se tornou o próprio cachorro e nele viajou enquanto continuava diminuindo
As florestas eram negras, extensas e densas
Era tudo o que existia, era um universo para homens em miniatura
Por noites ele vagou, sem sono ou fome
O homem desbravou e percorreu longas distâncias com o pouco da força que restava
Lá ele descobriu tribos de outros seres que antes foram visitados pelo mesmo cão negro
Eram como ele, mas menores e menos lúcidos
Apáticos, não faziam guerra ou política
Apenas monólogos mentais que se perdiam neles mesmos
O homem continuou andando, pensando que iria desfazer-se no caminho ao nada
Certa vez, caído entre arbustos negros, percebeu que o solo pulsava
Em um ritmo semelhante ao do surgimento de suas dúvidas
Antes do fim de suas forças, cavou com os dentes um buraco raso no solo da floresta negra
O sangue jorrou
E ele se alimentou
Voltou a crescer, enquanto bebia ininterruptamente
Os preciosos fluidos corporais
O cão estático se moveu pela primeira vez
E com sua pata traseira direita
Atacou o ponto exato que o trazia agonia
Enquanto bebia, o homem observou garras gigantescas invadindo o céu sobre a mata negra
Por dez ou doze vezes elas obliteraram todo aquele ambiente de escuridão
Patadas caóticas de um cão incomodado
Em um desses ataques o homem foi lançado por milhares de metros
Rompeu os vidros da janela de sua antiga casa
Teve sorte
Outros que fizeram o mesmo acabaram finalizados pelos dentes do cão
Provavelmente por estarem longe de sua cabeça e ao alcance de seu focinho
Aquele homem foi atirado de encontro ao estado original
E estava maior do que era antes do cachorro chegar
Levantou sobre os cacos de vidro na calçada e entrou na casa
Colocou um traje, pegou a coleira e levou o cão negro para um passeio
Era um animal estranho
Quanto mais conhecia o mundo, menor ficava
Certa vez, durante uma noite
O cão, já diminuto, entrou pelo ouvido do homem
E se alojou nos confins de sua mente
E a historia findou, antes da manhã seguinte, para que em algum outro dia se repetisse



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